terça-feira, 17 de maio de 2011



Obá Sangò.

Obá é palavra da língua yorubá que designa rei. Obá é também um dos epítetos do Òrìsá Sangò (não confundir Obá, rei, soberano (obá), com o Òrìsá  Obá, que é uma das esposas de Sangò). Segundo a mitologia, Sangò teria sido o quarto rei da cidade de Oyó, que foi o mais poderoso dos impérios yorubás. Depois de sua morte, Sangò foi divinizado, como era comum acontecer com os grandes reis e heróis daquele tempo e lugar, e seu culto passou a ser o mais importante da sua cidade, a ponto de o rei de Oyó, a partir daí, ser o seu primeiro sacerdote. Não existem registros históricos da vida de Sangò na Terra, pois os povos africanos tradicionais não conheciam a escrita, mas o conhecimento do passado pode ser buscado nos mitos, transmitidos oralmente de geração a geração. Assim, a mitologia nos conta a história de Sangò, que começa com o surgimento dos povos yorubás e sua primeira capital, Ilê-Ifé, fala da fundação de Oyó e narra os momentos cruciais da vida de Sangò: “Num tempo muito antigo, na África, houve um guerreiro chamado Odúdùá, que vinha de uma cidade do Leste, e que invadiu com seu exército a capital de um povo então chamado Ifé”. Quando Odúdùá se tornou seu governante, essa cidade foi chamada Ilê-Ifé. Odúdùá teve um filho chamado Acambi, que teve sete filhos, e seus filhos ou netos foram reis de cidades importantes. A primeira filha deu-lhe um neto que governou Egbá, a segunda foi mãe do Alaqueto, o rei de Ketú, o terceiro filho foi coroado rei da cidade de Benim. O quarto foi Orungã, que veio a ser rei de Ifé, o quinto filho foi soberano de Xabes, o sexto, rei de Popôs, e o sétimo foi Oraniã, que foi rei da cidade Oyó, mais tarde governada por Sangò. “Esses príncipes governavam as cidades que mais tarde foram conhecidas como os reinos que formam a terra dos yorubás, e todos pagavam tributos e homenagens a Odúdùá”. Quando Odúdùá morreu, os príncipes fizeram à partilha dos seus domínios, e Acambi ficou como regente do reino de Odúdùá até sua morte, embora nunca tenha sido coroado rei. Com a morte de Acambi, foi feito rei Oraniã, o mais jovem dos príncipes do império, que tinha se tornado um homem rico e poderoso. O obá Oraniã foi um grande conquistador e consolidou o poderio de sua cidade. “Um dia Oraniã levou seus exércitos para combater um povo que habitava uma região a leste do império”. Era uma guerra muito difícil, e o oráculo o aconselhou a ficar acampado com os seus guerreiros num determinado sítio por certo tempo antes de continuar a guerra, pois ali ele haveria de muito prosperar. Assim foi feito e aquele acampamento a leste de Ifé tornou-se uma cidade poderosa. Essa próspera povoação foi chamada cidade de Oyó e veio a ser a grande capital do império fundado por Odúdùá. O rei de Oyó tinha por título Alafim, termo que quer dizer o Senhor do Palácio de Oyó. “Com a morte de Oraniã, seu filho Ajacá foi coroado terceiro Alafim de Oyó”. Ajacá, que tinha o apelido de Dadá, por ter nascido com o cabelo comprido e encaracolado, era um homem pacato e sensível, com pouca habilidade para a guerra e nenhum tino para governar. Dadá-Ajacá tinha um irmão que fora criado na terra dos nupes, também chamados tapas, um povo vizinho dos yorubás. Era filho de Oraniã com a princesa Iamassê, embora haja quem diga que a mãe dele foi Torossi, filha de Elempê, o rei dos nupes. Esse filho de Oraniã tinha o nome Sangò, e era o grande guerreiro que governava Cossô, pequena cidade localizada nas cercanias da capital Oyó. “Sangò um dia destronou o irmão Ajacá-Dadá, e o exilou como rei de uma pequena e distante cidade, onde usava uma pequena coroa de búzios, chamada coroa de Baiani”. “Sangò foi assim coroado o quarto Alafim de Oyó, o obá da capital de todas as grandes cidades yorubás”. “Sangò procurava a melhor forma de governar e de aumentar seu prestígio junto ao seu povo”. Conta-se que, para fortalecer seu poder, Sangò mandou trazer da terra dos baribas um composto mágico, que acabaria, contudo, sendo sua perdição. O rei Sangò, que depois seria conhecido pelo cognome (cognome quer dizer: terceiro nome pelo qual a pessoa é conhecida) de o Trovão, sempre procurava descobrirem novas armas para com elas conquistar novos territórios. Quando não fazia a guerra, cuidava de seu povo. No palácio recebia a todos e julgava suas pendências, resolvendo disputas, fazendo justiça. Nunca se quietava. Pois um dia mandou sua esposa Iansã ir ao reino vizinho dos baribas e de lá trazer para ele a tal poção mágica, a respeito da qual ouvira contar maravilhas. Iansã foi e encontrou a mistura mágica, que tratou de transportar numa cabacinha. “A viagem de volta era longa, e a curiosidade de Iansã sem medida”. Num certo momento, ela provou da poção e achou o gosto ruim. Quando cuspiu o gole que tomara, entendeu o poder do poderoso líquido: Iansã cuspiu fogo! “Sangò ficou entusiasmadíssimo com a nova descoberta”. Se ele já era o mais poderosos dos homens imaginem agora, que tinha a capacidade de botar fogo pela boca. Que inimigo resistiria? Que povo não se submeteria? Sangò então passou a testar diferentes maneiras de usar melhor a nova arte, que certamente exigia perícia e precisão. “Num desses dias, o obá de Oyó subiu a uma elevação, levando a cabacinha mágica, e lá do alto começou a lançar seus assombrosos jatos de fogo”. Os disparos incandescentes atingiam a terra chamuscando árvores, incendiando pastagens, fulminando animais. O povo, amedrontado, chamou aquilo de raio. Da fornalha da boca de Sangò, o fogo que jorrava provocava as mais impressionantes explosões. De longe, o povo escutava os ruídos assustadores, que acompanhavam as labaredas expelidas por Sangò. Aquele barulho intenso, aquele estrondo fenomenal, que a todos atemorizava e fazia correr, o povo chamou de trovão. “Mas, pobre Sangò, a sorte foi-lhe ingrata”. Num daqueles exercícios com a nova arma, o obá errou a pontaria e incendiou seu próprio palácio. Do palácio, o fogo se propagou de telhado em telhado, queimando todas as casas da cidade. Em minutos, a orgulhosa cidade de Oyó virou cinza. “Passado o incêndio, os conselheiros do reino se reuniram, e enviou o ministro Gbaca, um dos mais valentes generais do reino, para destituir Sangò”. “Gbaca chamou Sangò à luta e o venceu, humilhou Sangò e o expulsou da cidade”. Para manter-se digno,Sangò foi obrigado a cometer suicídio. Era esse o costume antigo. Se uma desgraça se abatia sobre o reino, o rei era sempre considerado o culpado. Os ministros lhe tiravam a coroa e o obrigavam a tirar a própria vida. “Cumprindo a sentença imposta pela tradição, Sangò se retirou para a floresta e numa árvore se enforcou”. "Oba so!", "Oba so!”. "O rei se enforcou!", correu a notícia. “Mas ninguém encontrou seu corpo e logo correu a notícia, alimentada com fervor pelos seus partidários, que Sangò tinha sido transformado num Orisá”. O rei tinha ido para o Orún, o céu dos Orisás. Por todas as partes do império os seguidores deSangò proclamavam: "Oba ko so!", que quer dizer "O rei não se enforcou!”. "Oba ko so!", "Oba ko so!” “Desde então, quando soa o trovão e o relâmpago risca o céu, os sacerdotes de Sangò entoam: “O rei não se enforcou”!" "Oba ko so! Obá Kossô!” “O rei não se “enforcou”.”. Assim narram os mitos, e a morte de Sangò nada mais é do que a afirmação dos antigos costumes africanos. Sua morte teria sido injusta e por isso o Orún o acolheu como imortal. A expressão “Obá Ko so” é evidentemente dúbia. Tanto pode significar “Rei da cidade de Cossô”, o que de fato Sangò também era como “O rei não se enforcou”, frase que poderia ser também traduzida por “O Rei vive”, ou “Viva o Rei”, forma que é mais comum na nossa tradição ocidental. A versão verdadeira não importa: divinizado, transformado em Òrìsá, o obá Sangò, o Alafim de Oyó, alcançou a imortalidade, deixou de ser humano, virou deus. “Obá Kossô”, “Viva o Rei” é a fórmula pela qual, até hoje, em todos os templos dos Òrìsás, é glorificado o nome de Sangò, o rei de Oyó, o Orisá do trovão, senhor da justiça. De todos os Òrìsá que marcam a saga da cidade de Oyó, nenhum foi mais reverenciado que Sangò, mesmo quando Oyó passou a ser apenas um símbolo esfumaçado na memória dos atuais seguidores das religiões dos Orisás espalhados nos mais distantes países da diáspora africana do lado de cá e do lado de lá do oceano. E há muitos elementos para estribar essa afirmação.  Sangò no Novo Mundo no seu auge, o império de Oyó englobava as mais importantes cidades do mundo yorubá, tendo assim o culto a Sangò, que era o Orisá do rei ou obá de Oyó, portanto o Òrìsá do império, sido difundido por todo o território iorubano, o que não era muito comum, pois cada cidade ou região tinha os seus próprios Òrìsás tutelares e poucos eram os que recebiam cultos nas mais diversas cidades, como Èsú, Òssönyin e Orùnmìlá. O fato é que o apogeu da dominação da cidade de Oyó sobre as outras resultou numa grande difusão do culto a Sangò. Durante muito tempo a força militar de Oyó protegeu os yorubás de invasões inimigas e impediu que seu povo fosse caçado e vendido por outros africanos ao tráfico de escravos destinado ao Novo Mundo, como acontecia com outros povos da África. Quando o poderio de Oyó foi destruído no final do século XVIII por seus inimigos, tanto a capital Oyó como as demais cidades do império desmantelado ficaram totalmente desprotegidas, e os povos yorubás se transformaram em caça fácil para o mercado de escravos. Foi nessa época que o Brasil, assim como outros países americanos, passou a receber escravos yorubás em grande quantidade. Vinham de diferentes cidades, traziam diferentes deuses, falavam dialetos distintos, mas tinha todos algo em comum: o culto ao deus do trovão, o obá de Oyó, o Òrìsá Sangò. Isso explica a enorme importância que Sangò ocupa nas religiões africanas nas Américas, pois foi exatamente nesse momento histórico da chegada dos yorubás que as religiões africanas se constituíram nas Américas, isto é, no século XIX. Particularmente no Brasil, os escravos recém-chegados eram trazidos não mais para o trabalho nas plantações e nas minas do interior, onde ficavam dispersos, mas sim nas cidades, onde eram encarregados de fazer todo o tipo de serviço urbano. Morando longe de seus proprietários, vivendo em bairros com grande concentração de negros escravos e libertos, e tendo assim maior liberdade de movimento e organização, podendo se reunir nas irmandades católicas, com novas e amplas oportunidades para recriarem aqui a sua religião africana. Nascido da iniciativa de negros yorubás que se reunia numa irmandade religiosa na igreja da Barroquinha, em Salvador, o primeiro templo iorubá da Bahia foi, emblematicamente, dedicado a Sangò. Seus ritos, que em grande parte reproduziam a prática ritualística de Oyó, acabaram por moldar a religião que viria a se constituir no candomblé, e cuja estruturação hierárquica sacerdotal em grande parte reconstituía simbolicamente a organização da corte de Oyó, isto é, as cortes de Sangò, como verão adiante. Emblemas que na África eram exclusivos do culto a Sangò foram generalizados entre nós para o culto de todos os Òrìsás, como o uso do colar ritual de iniciação chamado quelê. Por estranha ironia, a Nação de Sangò na Bahia acabou recebendo o nome de Ketú, que é a cidade de Osòóssi, e não o nome de Oyó, cidade de Sangò, como era de se esperar. Mas essa denominação deve ter ocorrido muito tempo depois da fundação da Casa Branca do Engenho Velho, o primeiro terreiro de Sangò, de cujo chão Osòóssi é o dono, e que serviu de modelo a todo o candomblé. A denominação Nação Ketú deve ter se dado já no século XX, quando angariavam grande prestígio e visibilidade dois terreiros que também fazem parte do núcleo de templos fundadores do candomblé: o terreiro do Gantois, dissidente da Casa Branca e dedicado a Osòóssi, que era o Òrìsá da cidade do Ketú, e o terreiro do Alaketu, cuja fundação é atribuída a duas princesas originárias da cidade do Ketú, e que também eram do grupo da Barroquinha. A expressão “Nação Ketú” para designar o ramo do candomblé de origem yorubá que se constituiu a partir da linhagem da Casa Branca do Engenho Velho é recente e não era usada antes de 1950. O nome mais comum era Nação Nagô, ou Jêje-Nagô. A própria Mãe Aninha que fundou outro templo dissidente da Casa Branca, o Axé Opô Afonjá, e que, como o próprio nome indica, também é dedicado a Sangò, costumava dizer nos anos 1930: “Minha casa é Nagô puro”. No Rio Grande do Sul, até hoje a expressão “Nação Oyó”, ou “Oyó-ijesá” e Nação Ijesá designa os terreiros de batuque de origem yorubá. A marca de Sangò continua forte e muito presente. Em Pernambuco, a primazia deSangò acabou por dar nome a toda à religião dos Òrìsás, que naquele e em outros estados do Nordeste é conhecida como Sangò. No Maranhão, dois templos de tradições diferentes disputam o posto de casa fundante do Tambor de Mina: a Casa das Minas, de culto exclusivo aos voduns dos povos Fons ou Jejes, e a Casa de Nagô, que, como o próprio nome aponta, dedica-se ao culto dos Òrìsás, os deuses Nagôs ou yorubás, além de cultuar também Voduns e encantados. Ao contrário da Casa das Minas, que não teve terreiros descendentes e hoje se encontra em franco processo de extinção, a Casa de Nagô é a origem de vasta linhagem de terreiros, que se espalharam pelo Maranhão e Pará e chegaram até o Rio de Janeiro e São Paulo, ou mais além. A Casa das Minas de Tóia Jarina, de Diadema, é originária dessa matriz. Pois o patrono da Casa de Nagô não é outro senão Badé, nome pelo qual Sangò é reverenciado nos templos do Tambor de Mina. Longe daqui, no Caribe, a palavra Sangò também dá nome à religião dos Òrìsás praticada em Trinidad-Tobago, nome que também pode ser observado entre populações americanas de origem caribenha na costa Atlântica do sul dos Estados Unidos. Em Cuba, onde a Santeria é tão viva e diversificada como o candomblé brasileiro, são muitos os indícios da supremacia ritual de Sangò. Talvez o mais emblemático seja o fato de que, durante a iniciação ritual, apenas os sacerdotes dedicados a Sangò, segundo a tradição cubana, têm o privilégio sobre todos os demais de receber na cabeça o sangue sacrificial, o que indicaria que o Òrìsá do Trovão tem precedência protocolar, e seu tambor é o mais sagrado instrumento musical da santeria. Onde quer que tenha se formado alguma manifestação americana da religião dos Òrìsás, seja o candomblé, o Sangò, o batuque, o tambor de mina, a santeria cubana, ou o Sangò caribenho, a memória do Òrìsá Sangò, o Obá de Oyó, manteve o realce que o Òrìsá do império detinha na África. Como Obá, Sangò também era o mais alto magistrado de seu povo, o juiz supremo. Sua relação com o ministério da justiça fez dele, entre os seguidores das religiões dos Òrìsás, o senhor da justiça. Num mundo de tantas injustiças, desigualdades sociais, marginalização, abandono e falta de oportunidades sociais de todo tipo, como este em que vivemos o Òrìsá da justiça ganhou cada vez maior importância. Seu prestígio foi consolidado. Reiterou-se a posição de Sangò como o grande patrono do candomblé e grande protetor de todo aquele que se sente de algum modo injustiçado.  A corte do rei a importância de Sangò na constituição do candomblé, que é brasileiro, pode ser identificada também quando examinamos as estruturas hierárquicas e a organização dos papéis sacerdotais do candomblé em comparação com o ordenamento dos cargos da própria corte de Oyó, a cidade de Sangò. Não há dúvida que as sacerdotisas e sacerdotes que fundaram os primeiros templos de Òrìsá no Brasil tinham grande intimidade com as estruturas de poder que governavam a cidade do Alafim. O candomblé é, de fato, uma espécie de memória em miniatura da cidade africana que o negro perdeu ao ser arrancado de seu solo para ser escravizado no Brasil. Vejamos alguns dos cargos mais importantes da corte de Oyó e sua correspondência com a hierarquia do candomblé de Nação Nagô. Basorun – primeiro ministro e presidente do conselho real, que tinha mais poder que o próprio rei, exercendo também a função de regente quando da morte do rei até a ascensão do sucessor. No candomblé é título dado a homem que ajuda na administração do terreiro, um dos membros do corpo de ministros em terreiros dedicados a Sangò. Alààpínní – chefe do culto de egungum. No Brasil, igualmente alto sacerdote do culto dos ancestrais. Balògún – chefe militar. No candomblé, cargo masculino de chefia da casa de Ògún. O falecido oluô Agenor Miranda Rocha, foi, por mais de 70 anos, o Balògún da Casa Branca do Engenho Velho. Lágùnnòn – embaixador do rei que tinha como encargo o culto ao Òrìsá Ocô, divindade da agricultura. No candomblé, espécie de ajudante do pai de santo na provisão do terreiro. Akinikú – chefe dos rituais fúnebres. No Brasil, oficial do axexê, que pode ser um Bàbálorìsá ou Yàlorìsá ou algum ebômi ou ogã especializado nos ritos mortuários. Asípa – representante dos governadores das aldeias na corte de Oyó e encarregado do culto ao Òrìsás Ògún. No Brasil, dignidade masculina. Isugbin – corpo de tocadores e musicistas do palácio. No candomblé são chamados alabês, nome que na África era dado aos escarificadores, os que faziam os aberês, as marcas faciais identificadoras da origem. Ìlàrí – corpo de guardas da corte e de mulheres. Adoradores de Osòóssi e Òssönyin era também uma espécie de mensageiros e provedores reais. No candomblé, sacerdotes que cuidam da casa de Òssönyin. Èkejì Sangò – literalmente, a segunda pessoa do Òrìsá, cargo sacerdotal da corte do Alafim, sacerdotisa que não incorpora o Òrìsá, mas que cuida de seus objetos sagrados. No candomblé, equede, toda a mulher não rodante é confirmada para cuidar do Òrìsá em transe e de seus pertences rituais. O cargo, elevado na África, deu às equedes posição de relevo também no candomblé, onde têem o grau de senioridade. Ìyá-nàsó – mãe do culto do Sangò do rei (divindade pessoal). No Brasil, nome de uma das fundadoras do candomblé e título feminino. Ìyáalémonlé – encarregada de cuidar do assentamento pessoal do rei. Entre nós, quem cuida do assentamento principal do pai de santo. Ìyá-lé-òrí – mãe dos ritos de oferecimento à cabeça do rei, mantém a representação material da cabeça do rei em sua casa. No candomblé preside o böri. Ìyá mondè ou bàbá – Mulher que cultua os espíritos dos reis mortos. Chamam-na também de Bàbá. O alafim dirige-se a ela como “pai”, pois elas detêm a autoridade do “pai”, como as dirigentes da umbanda brasileira, também chamadas de babá. Ìyá-le-agbò – prepara os banhos rituais do rei. No candomblé, mulher que cuida dos potes de amassi. Ìyá-kèré – chefe das mulheres ilaris; é ela quem coroa o rei no ato de sua entronização. A atribuição, mantida, é hoje no candomblé da competência de pais e mães-de-santo que colocam no trono o novo chefe do terreiro nas ocasiões de sucessão. Muitos outros títulos do candomblé foram tomados de outras cidades e instituições que não a corte de Oyó, mas é inescondível a importância da cidade de Sangò na estruturação dos terreiros brasileiros de origem yorubá.  De toda sorte, são variadas as adaptações, muitas vezes esvaziando-se o cargo de suas funções originais. Com o sentido de reforçar a idéia do terreiro de candomblé como sucedâneo da África distante, para legitimar suas estruturas de mando e valorizar sua origem, cargos de tradição africana são recuperados e adaptados com certa liberdade pelos dirigentes brasileiros. Assim surgiram os obás ou mogbás de Sangò, conselho de doze ministros do culto de Sangò, instituído inicialmente no terreiro ÀseOpô Afonjá na década de 1930 por sua fundadora Mãe Aninha Obabií, assessorada pelo babalaô Martiniano Eliseu do Bonfim, e depois reinstalado nos mais diferentes terreiros que têm Sangò como patrono. Os obás brasileiros deSangò têm funções diversas daquelas africanas, mas os nomes dos cargos são referências constantes à vida político administrativa dos yorubás antigos. Eles são divididos em ministros da direita, com direito a voto, e ministros da esquerda, sem direito a voto. Cada um deles conta com dois substitutos, o otum e o ossi. O conjunto dos obás da direita criados por mãe Aninha é constituído dos seguintes cargos: Abíódún (nome que designa aquele nascido no dia da festa); Àre (título que se dá a uma pessoa proeminente da corte); Àrólu (o eleito da cidade); Tèla (nome masculino da realeza de Oyó); Odofun (cargo da sociedade Ogboni); Kakanfò (título do general do exército). Os da esquerda são: Onankun (pai oficial do Obá de Oyó); Aressá (título do Obá de Aresá);Eleryin (título do Obá de Erin); Oni Koyí (título do Obá de Ikoyi); Olugbòn (título do Obá de Igbon); e Sòrun (chefe do conselho do rei de Oyó). Estes nomes designam hoje postos sacerdotais, dignidades religiosas; na África designavam cargos de homens poderosos que controlavam a sociedade ioruba e suas cidades. Um rei africano era, antes de tudo, um guerreiro. Guerras, conquistas, povoamento de novas terras, escravidão, descoberta e renascimento, tudo isso faz parte da história de Sangò, rei e guerreiro, como faz parte das memórias de nossa própria civilização de brasileiros. Mas Sangò é mais que história da África e mais que história do Brasil. Seu duplo machado visa à justiça para cada um dos dois lados que se opõem na contenda, suas pedras de raio é o santuário guardião das esperanças de tanta gente que padece em consequência das mazelas de nossa sociedade: desemprego falta de oportunidades, incompreensão e dificuldade no trabalho, escassez de meios de sobrevivência, perseguição e disputas insanas, inveja, complicações legais de toda sorte, e tantas outras coisas ruins. Apelar a Sangò, para o devoto, é buscar alento, realimentar esperanças, prover-se de forças para a difícil aventura da vida. Mas no terreiro em festa, sob o roncar frenético dos tambores, a dança de Sangò não é tão somente demonstração de energia e de força marcial, de cadência e de vitalidade, mas igualmente harmonia, graça e sensualidade. Sangò é duro, mas também se compraz com o bom da vida. O paladar de Sangò lembra as qualidades do bom glutão que não dispensa jamais o prazer da boa mesa, tanto que até nos faz pensar nele como um rei gordo e guloso. Tanto é assim que suas oferendas votivas devem ser sempre servidas em grande quantidade, pois Sangò aprecia que seus súditos comam muito e bem. Seu prato predileto é o amalá, comida feita à base de quiabo, camarão, pimentas de várias qualidades, e tantos outros condimentos que são verdadeiras iguarias, utilizados pelas filhas de santo que muito apreciam e disputam a preparação da comida para os deuses. A comida servida no terreiro serve também para “reunir gente”, e Sangò é o Òrìsás que mais as acolhe, pois toda corte é repleta de súditos e não seria diferente no terreiro, onde há sempre muita gente, muita dança e muita comida. Além de Òrìsá comilão, Sangò também é o grande amante e teve muitas mulheres como contam seus mitos. Um deles relata que Sangò era um rei poderoso, um dia apareceu em seu reino um grande animal que devorava a todos, homens, mulheres e crianças. Sangò, acompanhado de suas três mulheres resolveu enfrentar o animal monstruoso. Sangò amava suas esposas, mas amava também todos os homens e mulheres que o acercavam, e nada mais natural do que defendê-los de tal criatura. O ser monstruoso rugia e toda a terra tremia. Sangò não quis soldados para vencer o animal. Sangò lançou chamas de sua boca e derrubou o animal matando-o depois num só golpe com seu oxé. Vitorioso, Sangò cantou e dançou, estava feliz. Dali em diante foi ainda mais amado pelos homens e mulheres de seu povo e por todos aqueles que ouviram falar de seu feito. No Brasil, o aspecto erótico da representação de Sangò foi muito atenuado em comparação a Cuba, onde seus gestos de dança insinuam relações sexuais e seus objetos de forma fálica enfatizam seu gosto pelo sexo. Mas mesmo entre nós é o Òrìsá de muitas esposas. Tantas mulheres e tantas paixões carnais não reforçam e é a confirmação de que a vida pode ser plena das doçuras e gozos do amor? O que queremos dizer é que Sangò não nos remete tão somente aos aspectos sérios, circunspectos e duros dos compromissos do dia a dia, mas nos faz lembrar, sim, o tempo todo, que a vida é muito boa para ser vivida, e por isso mesmo tem que lutar por ela sem descanso. É por essa razão que o fiel sempre pede passagem para o rei, gritando para o povo reunido em festa: “Deixai passar, deixar passar Sua Majestade”, “Kaô, kaô Kabiessi”. As qualidades ou avatares deSangò: Qualidade é o termo usado no candomblé para designar as múltiplas invocações ou avatares dos Òrìsás, assim como no cristianismo, no caso de Nossa Senhora e Jesus Cristo, as qualidades referem-se a cultos específicos do orisá, em que são invocados aspectos diversos da sua biografia mítica. O que inclui as diferentes idades, as suas lutas e aventuras, sua glorificação e deificação etc. No candomblé, os Òrìsás dividem-se em vários Òrìsás qualidade, e se acredita que cada ser humano, que é considerado filho ou descendente mítico do Òrìsás, origina-se de um dos Òrìsás qualidade. Essas qualidades procuram dar conta do arquétipo de cada Òrìsá, uma vez que se baseiam em mitos, e é por meio do oráculo do jogo de búzios que o pai ou mãe de santo determina de qual delas o filho de santo se origina. Vejamos uma descrição de algumas qualidades que é objeto de diferenciação no culto de Sangò na liturgia de alguns terreiros afro-brasileiros.
Qualidades:
- AGONJÚ
Quer dizer terra firme. Tem perna de pau e é casado com YEMONJA. É o filho mais novo de ORANNIAN e o preferido, herdou sua fortuna. É o mais cruel é aquele que leva o coração do inimigo na lança. É o Sangò amaldiçoado que matou e comeu a própria mãe. Na verdade foi o 6º Alafin de Oyo que viveu em 1.240 A.C., aproximadamente. Era sobrinho neto de Sangò.
- BARU
Pega tempo e come com ÈSÙ. Dependendo da época este Òrìsá ora é BARU ora é Ìrókò. Tem caminhos com Oya Yàtopè . Não come quiabo nem amalá, come amendoim cozido e padê. Na África ele é chamado de maluco, pois durante seu reinado fez muita besteira, motivo pelo qual os africanos não o raspam nem assentam. Não fazia prisioneiros, matava todos.
Veste-se de marrom e branco e suas contas são iguais a roupa. Toca-se para Èsú e Sangò.
BARU era muito destemido, mas quando comia quiabo, que ele gostava muito, dormia o tempo todo e por isto perdeu muitas contendas, pois, quando acordava seus adversários já tinham voltado da guerra. Ele ficava indignado. Então resolveu consultar um OLUÓ que lhe disse: Se é assim, deixe de comer quiabo - BARU perguntou: diz-me o que comerei no lugar do quiabo... Só folhas... Só folhas? perguntou BARU - Sim, respondeu o OLUÓ, tem duas qualidades , uma se chama oyó e a outra xaná, são boas e gostosas como o quiabo. E BARU falou: - A partir de hoje, eu não comerei mais quiabo.
- BADÈ
É o mais jovem VODUM da família do raio ( cujo chefe é KEVIOSSO ), corresponde ao Sàngó jovem dos Nago. É irmão de Loko. Usa roupa azul com faixa atada atras. Não fuma, não bebe nem fala. Um de seus animais prediletos é o chicharro.
- OBAKOSSO
Perdeu os poderes mágicos de transportar-se da terra para o céu, enforcando-se num pé de OBI. Tem fundamentos com Èsú, Égún e Oya, devido a sua morte.
- AGODO
Muito ruim, brutal, inclinado a dar ordens e ser obedecido, foi ele quem raptou Obá. Come com Yemonja.
- AFONJÀ
É o dono do talismã mágico dado por Oya a mando de Obàtálá. É aquele que fulmina seus inimigos com o raio. Come com Yemonja, sua mãe.
- ALAFIN
É o dono do palácio real, o governante de Oyo. Vem numa parte de Òsààlà e caminha com Osoguian.
- OBÀ OLUBÈ
É muito orgulhoso, intratável e muito bruto. Come com Oya.
- OLO ROQUE
Seria o pai de Òsun Oparà. Tem fundamento com Òsóòsì. Veste vermelho e branco ou marrom e branco.